sexta-feira, 19 de julho de 2013

A RUA DO MEDO

               
                  
                   Naquela cidade do século XXI, todos os habitantes desfrutavam de uma vida completamente voltada para o lazer. Em todos os bairros, o que alimentava a noite eram os bares e restaurantes que tinham hora para abrir mas não para fechar. A vontade do freguês em primeiro lugar. 
                   Naquela cidade do século XXI, as ruas pegavam fogo em cada esquina. O acúmulo de lixo era tamanho que a coleta tornou-se insustentável, priorizando as queimadas. As labaredas atingiam os fios deixando a cidade na escuridão, na maioria das ruas e avenidas. Tubulações de gás explodiam, tirando o sono de qualquer prefeito, bem como da imprensa de plantão e de toda a população. 
                   Naquela cidade do século XXI, a energia elétrica não faltava nas baladas e shows graças aos geradores de serviço, sempre aptos para entrarem em funcionamento no bairro da gastronomia. Toda adrenalina mantinha a vida noturna. Os celulares e tablets não eram comprometidos, permitindo a comunicação à distância. O trabalho da polícia passou a ser tão necessário quanto comer feijão com arroz diariamente, ou melhor, noturnamente. Então, como se divertir bebendo e dançando, sem praticar um ato de violência ??? 
                   Naquela cidade do século XXI, o relacionamento na Internet passou de profissional para pessoal, prioritariamente, produzindo afeições e decepções entre encontros e desencontros, amores e desamores. A lucidez tornou-se rara nos atos do  cotidiano estressante, do trabalho produtivo em favor do crescimento econômico na era da globalização. A diversão noturna nos bares, com banheiros masculino e feminino lotados, representava a grande catarse coletiva  porque só os estádios de futebol não satisfaziam mais. 
                     Naquela cidade do século XXI, havia uma rua misteriosa onde ninguém frequentava e que a Prefeitura decidiu lacrar, instalando um portão na entrada com cadeado. Os moradores foram embora da cidade por se sentirem isolados e até ameaçados, vistos como  desajustados sociais, que não participavam da rotina de vida da população em geral. Os habitantes tratavam aquela rua como mal assombrada porque era a única diferente da cidade. À noite, a rua do medo, como ficou conhecida, era totalmente iluminada, não havia fogueira de lixo, mesmo antes quando os moradores lá viviam. Era um silêncio só.
                      Na Rua do Medo, a Prefeitura nunca encontrou problemas como no restante da cidade para resolver. Apenas cobrava os impostos, pagos em dia. 
                     Um certo dia, o mistério acabou. Um menino muito curioso encontrou um jeito de atravessar o grande portão, desafiando os colegas. Ao chegar no outro lado, descobriu o que mantinha aquela rua diferente de toda a cidade. Parou em frente a um casarão, que parecia assombrado, onde sempre viam vultos circulando, e resolveu entrar. Ficou assustado a princípio. Não havia ninguém, nem uma alma vagante. Diante dele, surgiram dezenas de estantes cheias de livros. Era uma Biblioteca abandonada.O menino chamou os colegas e passaram o dia inteiro naquele Casarão assombrado. E voltaram, voltaram e voltaram sempre à Rua do Medo. 
                      Esses meninos inciaram um processo de mudança naquela cidade do século XXI, a partir das horas que passavam naquele Casarão abandonado complementando os estudos das escolas precárias que frequentavam, fortalecendo seus conhecimentos com leituras incansáveis, diante do farto material ali depositado. Aos poucos a Rua do Medo foi reaberta e seus antigos moradores redescobertos. A cidade encontrou uma nova vida. 
                  Aldemir Guimarães 

                                  

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