Naquela cidade do século XXI, todos os habitantes desfrutavam de uma vida completamente voltada para o lazer. Em todos os bairros, o que alimentava a noite eram os bares e restaurantes que tinham hora para abrir mas não tinham para fechar. A vontade do freguês em primeiro lugar.
Naquela cidade do século XXI, as ruas pegavam fogo em cada esquina. O acúmulo de lixos era tamanho que a coleta tornou-se insustentável, priorizando as queimadas. As labaredas atingiam os fios deixando a cidade na escuridão, na maioria das ruas e avenidas. Tubulações de gás explodiam, tirando o sono de qualquer prefeito, bem como a imprensa e toda população de plantão.
Naquela cidade do século XXI, a energia não faltava nas baladas e shows graças aos geradores de serviço, sempre aptos para entrarem em funcionamento no bairro da gastronomia. Toda adrenalina mantinha a vida noturna. Os celulares não eram prejudicados, mantendo a comunicação à distância. O trabalho da polícia passou a ser tão necessário quanto comer feijão com arroz, diariamente, ou melhor, dioturnamente. Como se divertir, bebendo, bebendo, bebendo e dançando, sem praticar violência ???
Naquela cidade do século XXI, o relacionamento via internet passou de profissional para, prioritariamente pessoal, produzindo afeições e decepções entre encontros e desencontros, amores e desamores. A lucidez tornou-se rara nos atos do cotidiano estressante, do trabalho produtivo em prol do crescimento econômico acelerado na era da globalização. O entretenimento noturno, nos bares com banheiros masculino e feminino lotados, representava a grande catarse, que só os estádios de futebol não satisfaziam mais.
Naquela cidade do século XXI, havia uma rua misteriosa onde ninguém frequentava e que a prefeitura decidiu lacrar, instalando um portão na entrada com cadeado. Os moradores foram embora da cidade por se sentirem isolados e até ameaçados, na condição de desajustados sociais. A população tratava aquela rua como assombrada porque era a única diferente da cidade. À noite, a Rua do Medo era totalmente iluminada, não havia fogueiras de lixo, mesmo antes quando os moradores lá viviam.
Na Rua do Medo, a Prefeitura nunca encontrou problemas como no restante da cidade para resolver com dificuldades. Apenas cobrava os impostos, pagos em dia.
Um certo dia, o mistério acabou. Um menino muito curioso, achou um jeito de atravessar o grande portão, desafiando os colegas. Ao chegar do outro lado, descobriu o que mantinha aquela rua diferente de todas as outras da cidade... Parou em frente a um casarão antigo, que parecia assombrado, e resolveu criar coragem e entrar... Ficou assustado a princípio. Não havia ninguém. Diante dele surgiram dezenas de estantes cheias de livros. Era uma biblioteca abandonada... O menino chamou os coleguinhas e passaram o dia inteiro naquele casarão assombrado. E voltaram, e voltaram e voltaram sempre à Rua do Medo, depois de descobrirem que o que assustava a todos eram os vultos que ali desfilavam com suas obras literárias, eternizadas pelas leituras que deixaram de ser incentivadas...
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