Certo dia, lá pelos anos 70, alguém me pediu que dissertasse sobre a amizade. Era um colega de pensão na cidade de Lages (a pensão da Dona Lia). Esse colega tinha recebido como tarefa da escola uma redação sobre o tema. E, apesar de trabalhar na Companhia Estadual de Energia Elétrica, julgou-me iluminado para esse trabalho. Aceitei a incumbência e danei a pensar.
Bom, a amizade compreende quatro fases da vida do homem. A primeira delas verifica-se na infância, quando o coleguismo de rua se mistura com os laços amigáveis. Nesta fase, tudo acontece embebido na pureza da inocência envolta em sinceridade. Ser amigo é mais do que um gesto: é uma necessidade que inicia na própria família e se estende pela comunidade. O humano depara-se com o meio e nele começa a Ser.
A segunda fase é a adolescência, na qual a descoberta da amizade vai de encontro à formação de grupos, que se resume em afinidades solidificadas no profundo relacionamento. Ocorre a valorização do amigo, através do elo da fraternidade e do amor. O amor fraterno, que o adolescente vive é que o faz dinâmico, arrojado e desafiante a todas as barreiras que surgem. Na adolescência é que acontece a mais forte das amizades - o "primeiro amor". Esse amor, que para alguns é eterno, mas, que para a maioria é o selo de uma grande amizade, cuja lembrança jamais se apaga.
A amizade da adolescência se prolonga em cada indivíduo que encontrou em um companheiro ou companheira de grupo a identidade de pensamentos. Ser adolescente é nunca querer deixar de ter amigos.
Passada essa fase, o humano torna-se adulto e entra em outra esfera de relacionamento. Começa então a terceira fase. A amizade dá início a uma crise. a da competição. Por incrível que pareça, o humano passa a ser considerado responsável. Sua luta na sociedade capitalizada exige dele esforços sobre-humanos, e ele ingressa na maturidade.
O valor da maturidade significa um novo axioma para a amizade. Agora, o humano deve cercar-se de amigos entre aspas. Aqueles que possam render-lhe bons frutos. E se assim não for, joga-os fora, na boca do lixo, depois de sangrá-los como se sangra uma árvore que representa um simples obstáculo na trilha de uma estrada nova.
As amizades conquistadas, nessa terceira fase, deixa o humano só, de volta ao âmago de sei mesmo, sem paz na consciência, porque lhe dão segurança enquanto pode comprá-la. Mas, o mais alto preço é a solidão como companheira.
Na quarta e última fase, na idade derradeira, quando o humano atinge o ápice do amadurecimento, como uma árvore calejada pelos ventos de todos os quadrantes, a amizade ganha nova força. Se o humano sobrevive à terceira fase, volta a sentir o valor da amizade, seguindo naturalmente o ciclo vital. Escapando da solidão, ele retorna à infância. Carente de um amigo, encontra novamente a adolescência, redescobre o amor e reintegra-se na vida, como se tudo não passasse de uma eterna juventude.
Mas, não fui capaz de dizer tudo isso para meu colega de pensão porque via-me na obrigação de encarar a redação para uma nota de sua professora. Então, desenvolvi o tema sem metodologia descritiva, dizendo, em suma, que a Amizade é o elo fundamental entre dois seres da mesma espécie.
(texto do livro MEU TEMPO NOSSO TEMPO - atualizado - escrito no auge dos 23 anos de idade do autor).